sábado, 9 de abril de 2011

Falácias da Educação: o discurso do Domínio de Sala


 
Prof.: Epitácio Rodrigues
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Qualquer pessoa que conheça minimamente uma escola sabe que o trabalho docente em sala de aula tem uma abrangência e resultado muito limitado. Porém, existe uma prática de transferir ao professor responsabilidades que originariamente não são suas, mas de outros atores do processo educacional. Um exemplo disso é o que acontece com a família que, sociologicamente falando, tem com uma das funções principais a educação dos filhos. Nas palavras de Oliveira, “a função educacional - responsável pela transmissão à criança dos valores e padrões culturais da sociedade; ao cumprir essa função, a família se torna o primeiro agente de socialização do indivíduo”[1] Quando a família não cumpre sua função, compromete o trabalho dos demais atores educacionais. É fundamental deixar isso muito claro, porque nas últimas décadas tem ganhado força, inclusive de repressão ao professor, o discurso do domínio ou falta de domínio de sala. O que faz essa falácia, pedagogicamente infundada, é transferir ao docente uma responsabilidade parental.
O que significa dominar? A primeira observação a ser feita é que o conceito de domínio de sala contraria o projeto de uma educação para a cidadania, preconizada pela LDB Nº 9.394/96, quando afirma: “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Art. 2º). Ora, a palavra domínio vem do latim dominus, i, cujo significado básico é: senhor, patrão, dono. Ou seja, termos que reforçam uma idéia de escolae educação medieval, na qual o professor era o magister, tri (de magi [mais] + ter [três] e aluno apenas alumnus (a [partícula de negação] + luminus [luz]): Nessa visão de escola, o professor é o três vezes mais e o aluno o sem brilho, sem luz, o apagado.
O trabalho do professor consiste em ajudar o educando na aprendizagem de certos conteúdos que foram selecionados para a transmissão às novas gerações. Ele deve tornar clara a compreensão desses conteúdos e ao aluno, acima de tudo, compete estar disposto a aprender. Porém, o que o professor encontra dentro das salas de aula são: primeiramente, crianças e adolescentes que estão na escola pressionados pelos pais, preocupados em garantir o benefício do programa Bolsa Família; jovens que buscam apenas um diploma para melhorar o seu currículo, mas não necessariamente a aquisição dos conteúdos exigidos para obtenção daquele certificado. Acrescente-se a isso, o fato dessa geração ser estimulada ao imediatismo, ao momento, sem grandes perspectivas e projetos mais duradouros e consistentes nos quais o saber educacional seja uma mediação. Na escola o que eles têm pela frente é uma proposta educacional na qual só a educação básica tem a duração média de doze anos. Não por nada, muitos jovens deixam o ensino médio regular e ingressam na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Portanto, essa falta de perspectiva do alunado, aliada à quase absoluta ausência de instrumento de intervenção do professor, responsabilizado pelo fracasso de uma política educacional centrada em estatísticas (número de alunos em sala e notas) criam um cenário complexo de fatores deficientes que não tem outra solução, senão transferir ao professor a culpa pelo fracasso da aprendizagem.
É nesse contexto que surge, dentre outros, o discurso do “domínio de sala”. Não existe, de fato, falta de domínio de sala, mas sim indisciplina do aluno: quando este não aprendeu com a família os valores e posturas comportamentais adequados a cada lugar sociológico; quando desconhece a diferença entre contatos primários (espontâneos e informais) e contatos secundários (formais); quando não diferencia espaços informais e espaços formais, portanto não sabe a diferença entre uma sala de aula e uma praça pública; quando não aprendeu valores com respeito à autoridade, disciplina e outros tantos valores necessários a uma socialização saudável.
Portanto, é a família que está fracassando na sua função educacional. Junto a isso, soma-se uma política de desvalorização do educador empreendida pelo Estado e reproduzida pelos seus órgãos estatais de gerenciamento do processo educativo. Noutras palavras, quem o aluno vê dentro da sala de aula? Um profissional sem a devida valorização, respeito e reconhecimento do seu papel seja pelo Estado, seja pela sociedade. Daí a conseqüência é óbvia: como esperar do aluno que prestigie o trabalho docente, quando ele não visualiza muitas possibilidades de vencer na vida pela educação pública, quando vê diante de si um profissional desvalorizado pelo Estado e pela sociedade naquilo que faz. Fica então uma pergunta: como esperar que esse perfil de aluno respeite o trabalho do professor em sala de aula?


[1] OLIVEIRA, Pérsio Santos. Introdução à Sociologia. 25ª ed. São Paulo, Ática, p.162.

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